Matéria "Reajuste de 21,25% na tarifa reacende debate sobre custo do prático"

vALOR eCONÔMICO - 23de agosto de 2010 - autor: Fernanda Pires

A Marinha do Brasil fixou aumento de 21,25% nos valores do serviço da Praticagem do Porto de Santos prestado aos 32 armadores associados ao Centro Nacional de Navegação (Centronave). O prático é um profissional concursado e vinculado à marinha mercante que tem por lei a prerrogativa de subir a bordo e assessorar o comandante na condução do navio em águas restritas, basicamente na entrada e saída do porto. A contratação do serviço é obrigatória e existe em todos os portos do mundo. Com o aumento, a manobra de uma embarcação com capacidade para transportar 3,5 mil contêineires saiu de R$ 7.315 para R$ 8.869,28, por exemplo.

O reajuste recém-anunciado corresponde ao IGP-M entre janeiro de 2007 e o fim de julho deste ano e tem como base o último acordo firmado entre o Centronave e a Praticagem de Santos naquele ano, informou ao Valor a Diretoria de Portos e Costas (DPC), órgão da Marinha. 

Assinado em 2007, o acordo previa atualizações anuais no mês de janeiro, mas argumentando perdas inéditas em razão da crise mundial, os armadores pleitearam, no fim de 2008, o congelamento dos preços por seis meses. A Praticagem concordou e estendeu a medida durante todo o exercício passado. 

Em janeiro deste ano haveria a nova atualização, que só veio a ser aplicada em abril: 13%, considerando a variação do IGP-M e do IPCA de janeiro de 2008 até março deste ano. 

"Os armadores pediram que segurássemos por seis meses, mas entendendo que a crise era um fato, decidimos postergar o reajuste por 13 meses. Só em abril deste ano a Praticagem aplicou a atualização de 13% prevista no acordo que, no nosso entender estava vigente. No entender do Centronave, não", disse o assessor da diretoria da Praticagem de Santos, Marcos Jorge Matusevicius.

 O Centronave não concordou com a revisão de 13%, razão pela qual entrou na Justiça e solicitou a arbitragem da DPC, publicada na semana passada. A intervenção da autoridade marítima ocorre quando não há consenso na negociação de preços entre o tomador do serviço (os armadores) e o prestador (o prático). Mas a associação de empresas de navegação esperava que a decisão da DPC fosse pela redução e não aumento no que considera preços abusivos e se disse surpresa com o resultado final e vai recorrer da decisão.

 "Não ficamos satisfeitos porque não está justificado como se chegou a estes valores", destaca o diretor-executivo do Centronave, Elias Gedeon. De fato, a Portaria nº 167, publicada no Diário Oficial da União (DOU) no dia 16, não especifica os critérios que levaram ao aumento de 21,25%.

Segundo Gedeon, o cerne da questão é que o armador é obrigado por lei a contratar o serviço mas não sabe exatamente pelo que está pagando. "Nosso propósito é que a DPC abra os custos da praticagem para que tenhamos uma visão clara do que estamos pagando e possamos fazer uma reavaliação dos preços. Apesar de lutarmos pela redução dos valores, o mais importante é promover um relacionamento justo e isso só acontecerá quando os custos forem abertos, quando se sair desse subjetivismo", afirma. "A lei fala que os preços de praticagem estão fixados para remunerar o prático, a lancha (que leva o profissional até a embarcação) e a atalaia (centro de operações). Então é preciso que esses custos sejam abertos", defende Gedeon. Ele afirma que, se ao final se chegar à conclusão de que o percentual para remunerar o prático deve ser até maior, "paciência". Hoje, os serviços de manobra dos navios representam quase 50% das despesas dos armadores numa escala no porto de Santos, segundo o executivo.

 Matusevicius rebate dizendo que, em qualquer porto, os maiores custos na operação portuária residem na atividade de rebocagem e dos práticos, e que, portanto, tal indicador não serve de parâmetro para mensurar se os valores são altos ou não. Segundo ele, a quantificação dos preços cobrados depende dos riscos gerenciados.

 "Existe uma parte do custo dos serviços de praticagem que é comum: a lancha, o centro de operações, a parte administrativa - esse eu diria que não muda de porto para porto, independentemente das dificuldades do canal de navegação. Já a parte específica do prático vai do conhecimento necessário para gerenciar os riscos de cada manobra naquele local", afirma o representante dos práticos. "Então, via de regra, num porto cujo tráfego é mais fácil e que tem mais recursos de manobra, normalmente o preço de praticagem será menor", afirma Matusevicius.

 Ele compara a forma como os práticos chegam aos seus eventuais preços à maneira como advogados definem seus honorários. "Os custos de dois advogados são mais ou menos os mesmos, e por que um cobra um valor e outro cobra menos? Porque o conhecimento de um naquele assunto é diferenciado. Existe uma parte do serviço que depende do conhecimento, do feeling, da expertise daquele profissional que está embarcado naquele momento".

 Os armadores do Centronave representaram 5,34% das 599 companhias ou operadores de navegação presentes no porto de Santos em 2009. Mas os associados à entidade têm, juntos, mais de US$ 40 bilhões de ativos (entre navios e equipamentos) no país e respondem por 80% do comércio exterior brasileiro - levando em conta apenas as cargas em contêineres, o percentual sobe para 98%. Essas empresas atuam com cerca de 400 porta-contêineres escalando portos brasileiros.

 A portaria da Marinha não se aplica às demais empresas de navegação, que fecharam acordo com os práticos nos termos do reajuste de 13% em vigor desde abril. 

Armadores defendem mudanças na lei

 A discussão sobre os custos dos práticos - que em Santos ganha contornos superlativos dado o fato de o complexo movimentar quase 26% do PIB nacional - tem como pano de fundo a busca por flexibilizar a regulação do serviço para baratear os preços. O Centronave defende a transferência da fixação dos valores para um órgão civil, que tenha a participação da Marinha. "Me parece que a importância da Marinha, como unidade das Forças Armadas, deve pairar acima de questões pecuniárias", diz o diretor-executivo da associação de armadores, Elias Gedeon. A tese encontra ressonância na Secretaria Especial de Portos (SEP), cujo ministro, Pedro Brito, já endossou a retirada da arbitragem dos valores pela Marinha e vem debatendo o assunto junto à Diretoria de Portos e Costas (DPC). Procurada, a SEP não se manifestou.

 Em nota, a DPC destacou que "não cabe à Marinha discutir preços acordados livremente. A arbitragem do valor feito pela Marinha, quando se dá, ocorre em cumprimento à Lei nº 9.537/97 (Lesta - Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário)". Ainda segundo o texto, "eventual mudança de responsabilidade pela arbitragem terá de ser decorrente de alteração na referida legislação. No entanto, cabe enfatizar que os principais objetivos do serviço de praticagem devem ser a salvaguarda da vida humana, a segurança da navegação e a prevenção da poluição hídrica".

 Os práticos enxergam o movimento como uma investida para desregulamentar a atividade, que teve início no Brasil com a abertura dos portos às nações amigas, em 1808. "Por que tirar da Marinha? O que não está funcionando bem do jeito que vem funcionando? O que vejo é uma tentativa de desregulamentação, porque hoje o prático atua com independência", diz o assessor da diretoria da Praticagem de Santos, Marcos Matusevicius.

 A Lesta estabelece que o serviço será executado "por práticos devidamente habilitados", tanto individualmente como organizados em associações ou contratados por empresas. E que a inscrição de aquaviários como práticos obedecerá aos requisitos estabelecidos pela autoridade marítima.

Mas a determinação - também prevista em lei - do chamado rodízio único obrigatório entre os profissionais esvazia a eficácia de acordos isolados feitos com as empresas, caracterizando atividade monopolista, segundo Gedeon.

"Ainda que houvesse outra empresa de praticagem em Santos eu não teria escolha porque a lei impõe o rodízio único obrigatório".

 O representante dos práticos diz que tecnicamente a atividade não atende a dois requisitos fundamentais de um monopólio: controle de preço e da quantidade. "A Praticagem não pode fazer nenhuma das duas coisas - não pode deixar de prestar o serviço (artigo nº 15 da Lesta) e não tem como controlar a quantidade, porque tem de atender toda vez que for solicitada. Aqui em Santos temos quatro empresas que não pagam serviço de praticagem desde 2005", diz Matusevicius.



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